Clube da Luta

 
De Evandro Oliveira

Sabe quando tudo o que você precisa é de uma válvula de escape? Aquele final de semana, aquela balada, aquela bebedeira, aquele cineminha, aquele encontro romântico, aquela viagem...  E quando você perde essa válvula? Esse é o ponto inicial de Fight Club (Clube da Luta).

A correria é tanta pra lá, a insegurança é tanta pra cá, e sem perceber a tristeza já encostou. E você se perdeu. Perdeu a válvula. Chega em casa e tudo o que você quer é dormir, porque no dia seguinte terá a mesma rotina. Dorme mas não descansa. Por não descansar não consegue mais dormir. Por não dormir não fica também totalmente acordado. E se perdeu. Isso lhe parece familiar? E é! Isso é uma aresta do retrato da nossa sociedade atual.

O narrador sem nome de Fight Club é um desses caras. Trabalha num emprego que não gosta, tem um chefe que não gosta, tem uma vida que não gosta. Sua única tentativa de válvula de escape se tornara comprar móveis por telefone, e olhe lá!

Mas uma mudança drástica ocorre, e essa mudança é o segundo ponto do filme. Após conhecer um “novo amigo” (assista ao filme e descubra o porquê das aspas), esse narrador anônimo se modifica. Ele cria uma válvula de escape que a priori parece absurda mas que passa a atrair diversas pessoas “perdidas” como ele. Cria-se então o Clube da Luta: um clube secreto com algumas regras onde homens simplesmente lutam um com o outro. E não é pelo simples gosto pelas porradas!

Antes de assistir o filme eu li em um excelente texto que ele tratava de autoconhecimento e limites, e estou tentando ao máximo dizer algo diferente do que lá foi dito. Mas a verdade é que esse texto estava totalmente correto. Será que sabemos até onde podemos ir? Aliás, sabemos onde estamos? Será que não nos tornamos como o narrador anônimo, um simples peão de um jogo de xadrez sem sal?


O ser humano passa a vida toda tentando se conhecer. Alguns vão mais longe e desenvolvem até teorias para tal; às vezes até a provam cientificamente. Outros aceitam ser liderados por alguém que lhes diga o que querem ouvir, como fizeram os “soldados” Tyler Durden, o amigo do narrador. Mas na realidade a grande maioria nunca vai realmente se conhecer, tampouco conhecer seus limites. Felizes são aqueles que descobrem o que consegue superar, porque na verdade já superou. Outros, infelizmente, irão se perder. Felizes são aqueles que mantêm suas válvulas de escape, as modificam algumas vezes, é verdade, mas elas sempre continuam. Outros, infelizmente, as perderão.

 Fight Club é um grandioso filme de introspecção. Bem feito, bem dirigido, bem pensado. Não vou me prender aos aspectos técnicos, ainda que os mesmos tenham sido muito bem executados, porque na realidade é seu efeito que deve ir muito além das 2h10min de filme!


Nota do Evandro: 9.5 



Tão Forte e Tão Perto


De Evandro Oliveira

Um detalhe muda tudo! Não é novidade que “11 de Setembro” rendeu, entre várias outras coisas, dezenas de filmes à Hollywood. A novidade é que 10 anos depois do ocorrido um filme usa brilhantemente o fato como pano de fundo pra uma história completamente emocionante.

Oskar Schell (muito bem interpretado por Thomas Horn, um garoto de 14 anos estreante no cinema) é um garoto com Síndrome de Asperger, que é uma espécie de variação do autismo, o que o torna mais inteligente do que sua idade para alguns assuntos, e muito receoso à outros. O garoto é extremamente ligado à seu pai, Thomas Schell (Tom Hanks). Thomas sempre incitara seu filho a resolver enigmas, utilizando da grande inteligência do garoto e de seu grande gosto por resolvê-los. Entretanto, no acidente de 11 de Setembro ele morre. Oskar, apesar das aparências, não consegue superar a morte de seu pai e, um ano depois, encontra uma chave em um vaso que estava no closet de Thomas.

Com essa chave e com as pistas que encontra, o garoto usará de toda sua grande e metódica inteligência para descobrir a fechadura daquela chave, na esperança de resolver mais um enigma que o deixaria ainda mais próximo do pai.
 

Esta seria a sinopse de Extremely Loud and Incredibly Close (Tão Forte e Tão Perto). Mas sinopses não querem dizer nada. O ser humano é, inexplicavelmente, capaz de emocionar e ser emocionado. Talvez esse seja um dos motivos de ser o único ser capaz de chorar. Com uma história que exala emoção nos pontos certos e cercado por uma história que coloca o espectador dentro do personagem principal, Extremely Loud and Incredibly Close é um filme fascinante.

Na crítica feita por meu companheiro André Malta em A Árvore da Vida (link) ele inicia seu texto com as seguintes questões: “Alguém já conseguiu definir com clareza algo abstrato? Como se desenha o amor? Como compor algo tão subjetivo de forma singular, concreta?”. Talvez nada disso seja explicável como busca Oskar, incessantemente, explicações para tudo e sua mãe (Sandra Bullock) tenta demonstrá-lo que algumas simplesmente não se explicam. E é por isso que a arte, em suas várias formas, é fascinante. Embora não explique, ela de alguma maneira nos transporta para aquele "algo inexplicável", nos toma e nos faz sentir tudo aquilo que ela quer passar, que ela quer nos fazer sentir. Inexplicável!

Dirigido por Stephen Daldry, com produção de Scott Rudin e roteiro de Eric Roth, Extremely Loud and Incredibly Close é feito nos detalhes para transportar o espectador para dentro dele. Desde tomadas bem feitas até a narração propositalmente explicativa, com variações de velocidade e tom da voz. Não sei explicar, mas talvez esse seja um daqueles filmes “ame-o ou odeie-o”. Somente talvez.
Merecidos destaques para o papel de Max von Sydow , um personagem mudo que não se sabe se é ou não o avô de Oskar. Grandiosas interpretações dele e, mais uma vez, do garoto Thomas Horn. E claro, bela sacada da história deixar essa aresta aberta, no ar.

Nota do Evandro: 9.0 


 

Meia-noite em Paris


De Evandro Oliveira

Woody Allen nos mostra, mais uma vez, uma outra face da paixão. E com isso nos transporta para sentir, junto com ele, uma dessas: a arte. Este é Midnight in Paris (Meia-noite em Paris).

Gil Pender (Owen Wilson) é um frustrado roteirista de Hollywood e que deseja escrever um livro, pautado no quê de saudosismo. Grande admirador de Paris, cidade onde ele pode sentir muito mais a presença de seus grandes ídolos dos anos 20, Gil está novamente na cidade à passeio juntamente com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e seus sogros. Entretanto, o que antes era apenas um sonho de Gil, torna-se realidade. Aos menos para ele. Gil passa a fazer uma viagem no tempo todas as noites, indo para os anos 20 e cada dia encontrando mais e mais ídolos.

Logo no início de sua estadia em Paris, eles se encontram com um amigo de Inez, Paul (Michael Sheen) e sua noiva. Paul é uma belíssima ilustração do verdadeiro pseudointelectual, ao ponto de todos acreditarem na sua intelectualidade. Diferentemente de Gil, Paul trata as várias formas de arte como um objeto, que está pra somente ser visto e admirado. Gil não, ele quer senti-las, uma por uma, conectar-se com elas, viver aquilo. E é por isso que se sente um peixe fora d’água, ou fora de sua época.


Como um sonhador apaixonado Woody Allen nos transporta para viver essa arte, como deseja seu personagem, não como esses pseudointelectuais que as lêem em livros ou enciclopédias mas não sabem realmente o que significa aquilo tudo. Gil encontra-se como figuras como Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Salvador Dali, Cole Porter, Pablo Picasso, entre outros e acaba se vendo encantado pela belíssima Adriana, uma linda estudante de moda que teve casos com Modigliani e Picasso, belamente interpretada por Marion Cotillard.

Um filme que além de nos absorver pra essa “aventura” durante sua rápida 1h25 min, nos leva a refletir como realmente encaramos as coisas à nossa frente e como lidamos com grandes feitos do passado. Sabemos mesmo senti-los? Sabemos utilizá-los a nosso favor? Digo, aproveitar o passado pra melhorar o presente, sem que isso nos torne alguém preso à ele. (?)

A direção do filme, bem como sua fotografia, é belíssima. Não era de se esperar menos tratando-se de Paris, mas dessa vez há uma bela abordagem para a Paris mais urbana no presente, sem perder sua beleza, contrastando com a antiga Paris, dos anos 20. Um destaque negativo fica por conta do personagem principal interpretado por Owen Wilson, que se fosse feito por um ator melhor nesse gênero de filme certamente acrescentaria muito.

Nota do Evandro: 8.0

A Invenção de Hugo Cabret


De Evandro Oliveira

Baseado no livro de Brian Selznick, Hugo (A Invenção de Hugo Cabret) mostra, com devida sutileza, como o cinema foi/é encantador e apaixonante desde sua criação. Dirigido por Martin Scorsese – diretor de “Taxi Driver”, “Gangues de Nova Iorque”, “O Aviador”, “Ilha do Medo”, entre outros – Hugo nos leva a uma viagem no tempo, misturando tecnologias.

O filme conta a história de um garoto que aprendera com seu pai a consertar coisas e tinham como grande desafio consertar um robô que seu pai encontrara. O pai morre em um incêndio deixando o garoto órfão, que é levado por seu tio alcoólatra para morar na estação ferroviária de Paris, mas que logo o abandona lá. Sobrevivendo de pequenos furtos e no anonimato de consertar os relógios da estação, o garoto mantém vivo o sonho de arrumar o robô e isso o levará a descobertas que vão além da máquina, descoberta de uma parte da vida que um ranzinza senhor tenta esquecer.

O desenvolver do filme é suave, mas não lento. Narrado pelas aventuras das duas crianças (Asa Butterfield e Chloe Moretz), Hugo nos remete a uma prazerosa visão do passado e a uma boa história por trás, sem perder o tom aventurístico inicial, com toques filosóficos e metalinguísticos. O saudosismo de Martin Scorsese faz-se presente no desenrolar, acrescentado com uma bela homenagem ao cineasta George Meliès, um dos precursores do cinema.

Contando com uma bela direção de arte e mostrando um mix de tecnologia, ao usar o 3D pra mostrar os primórdios do cinema, Hugo é um bom filme: uma história interessante, um bom diretor, divertido, envolvente. Traços de um bom filme, não algo extraordinário. Não que todos os filmes devam ser “extraordinários”; Hugo cumpre muito bem o que se propôs a fazer.
 
Curiosamente os dois filmes considerados favoritos ao Oscar – esse e O Artista – são filmes que remetem ao passado do cinema, tratando-o como uma arte desde seu princípio, o que poderia soar como uma idealização, não fosse o bom trabalho feito em ambos.


Nota do Evandro: 8.0 

A Árvore da Vida


De André Malta

Alguém já conseguiu definir com clareza algo abstrato? Como se desenha o amor? Como compor algo tão subjetivo de forma singular, concreta? Será isto impossível? Talvez sim. Subjetividade não impõe limites. Ela é livre e dá a liberdade de quem quiser defini-la. E nessa liberdade Terrence Malick transcende a lógica, explora a criatividade e consegue filmar o âmago da alma humana em The Tree of Life (A Árvore da Vida).

Não existem palavras para se definir um filme tão belo. Esqueça TODOS os outros filmes que você já assistiu. Nada se compara a beleza de The Tree of Life. Um filme que explora a alma, a mente, o espírito e o sentimento humano de uma forma inovadora. São cenas e mais cenas de pura filosofia que nos exige apenas reflexão. Não existe filme. Não existe história. É uma droga lícita e não nociva aos nossos olhos. Nos faz viajar e contemplar a complexidade do sentimento humano.

Antes que filosofe mais e acabe expulsando o leitor mais leigo desta resenha, preciso  dar-lhes algumas informações adicionais para que assim como eu, contemple um pouco mais deste grande filme. The Tree of Life é dirigido e escrito por Terrence Malick, candidato ao Oscar de melhor filme, melhor diretor e fotografia sendo dono de um surrealismo impactante.  Sua sinopse é complexa, como o filme, mas basta dizer o mínimo possível porque cabe a quem assiste desfrutar desta obra prima e retirar dela um proveitoso entendimento. Mas vamos a ela.



The Tree of Life submerge o espectador ao início de tudo o que existe. Contempla o ciclo da vida através de uma família americana da década de 50. A dor desta família por ter perdido um ente querido, neste caso um filho amado por todos. Desta afirmação você viaja, transcende, se deixa levar pelo abstrato. Flui com os sentimentos junto do personagem numa quase inevitável empatia que te seduz. 

Voltamos ao  passado na gênese terrestre, como a Terra se forma. Passamos pelo período jurássico e pulamos a década de 50 para presenciarmos o nascimento de um bebê e ali ficarmos, acompanhando sua trajetória. Viajamos e confabulamos. Sentimentos e pensamentos. O filme é a gravação do que existe dentro de nós e não pode ser explicado. É a história de um sentimento amargurado e de como uma família lida com ele seja através de lembranças ou de prospecções futuras, da imaginação.

Antes de analisar os pontos técnicos do filme eu vou logo avisando: se está a procura de um roteiro mais tradicional ou de uma história cheia de reviravoltas, com um final surpreendente, aventuras, comédia, romances, ação... PARE!. Não assista The Tree of Life. Nem perca seu tempo. Este filme merece ser degustado com estômago vazio. Nada de expectativas. É um filme para introspecção que com certeza figurará entre aqueles 100 filmes a se assistir antes de morrer (sendo muito modesto).

Mas vamos lá, The Tree of Life apresenta uma fotografia inacreditável. Conselho: tentem assistir o filme em qualidade HD, Blu-ray. Com uma fotografia fantástica e uma exímia edição, Terrence Malick tem genialidade suficiente para nos brindar com uma ótima direção. As ótimas atuações ficam por conta de Brad Pitt na interpretação do Sr. O'Brien, Jessica Chastain é a compreensiva e permissiva Sra. O'Brien. Os intérpretes dos filhos são Hunter McCracker (Jack), Laramie Eppler (R.L.) e Tye Sheridan (Steve) .Sean Pean interpreta o filho Jack quando adulto e a história meio que segue nas lembranças dele. Todos atuam muito bem.

A cenografia e figurino convencem. Mas e o roteiro? Seria esse o ponto negativo do filme? Com certeza não. Tudo bem que aqui não se encontrará recursos já batidos em vários filmes. A história não é linear. Mas eis que escapamos de um clichê. O Esqueleto para base de um roteiro é mudado e vislumbramos algo bem mais estilizado. Temos uma história? Sim temos! Mas o foco não é esse. E jamais me caberia decidir qual é. É algo intuitivo, pessoal e sentimental como se entender o sentido da vida.  E isso vai de cada um. Surpreenda-se por si mesmo e jamais esquecerá The Tree of Life.

Nota do André: 9.5